Não espere seu pai morrer.
Ando um pouco sentimental nesses últimos dias. Não é muito comum isso acontecer, mas acredito que essa fase de mudanças drásticas na minha vida tem me deixado um pouco assim.
Este ano completa 9 anos que não moro mais na casa dos meus pais. Lá em 2017, com meus 16 anos, eu topei fazer uma das aventuras mais marcantes da minha vida: saí de uma capital do interior do Brasil (500 mil habitantes) para uma cidade no extremo interior de Michigan (2.000 habitantes), para morar em um país que eu achava que sabia falar a língua... mas, chegando lá, percebi o quanto os meus 7 anos de Wizard não serviram pra nada. (isso não é uma crítica... ou talvez seja…)
Saindo do Brasil na época, bateu aquele frio na barriga. Nunca havia viajado sozinho, e a primeira vez que fiz isso na vida foi logo pra outro país. Fala sério, você sentiria isso também.
Só pra contextualizar: no ano anterior dessa aventura, eu tinha perdido minha mãe, depois de quase 10 anos de batalha contra o câncer. E, querendo dar uma aliviada na cabeça e conhecer um pouco mais sobre ela, topei ficar com a mesma família que ela ficou quando fez intercâmbio, 33 anos antes da minha ida.
Lembro como se fosse hoje o meu desespero no aeroporto, sem saber ler as placas que eram todas em inglês. E ainda por cima tinha que passar por aquele tratamento VIP que todos já ouvimos falar da imigração dos EUA.
Cheguei na fila de imigrantes. 200 pessoas na minha frente. 45 minutos de pura tensão pra ser atendido e, quando chegou a minha vez: eu travei. Não lembrava mais as respostas que tinha decorado. Não entendia a rapidez da fala da policial. Estava completamente confuso, mas, pela misericórdia de Deus, algo tocou no coração de pedra daquela mulher e ela decidiu me liberar. Deve ter ficado com pena do meu desespero. E assim começou a viagem que mais me fez crescer na vida.
Nos primeiros dias no país, meu inglês foi colocado à prova. A velha e desconhecida Reed City, com seu inverno bem aconchegante de -25 graus, não tinha uma alma brasileira pelas redondezas. Ou seja, logo nos primeiros dias eu já fui obrigado a me virar com o que tinha: um celular, acesso à internet, Google Tradutor baixado, dedos rápidos que digitavam o que eu queria falar e olhos atentos que liam a tradução do que me respondiam de volta. Desse jeito comecei minhas primeiras interações com a sociedade americana.
O primeiro mês foi passando e agora eu já conseguia entender algumas palavras aleatórias na frase e, com isso, 86% das vezes eu conseguia decifrar o contexto. Pra quem não entendia nada, isso já foi uma baita evolução.
O segundo mês passou e agora eu até entendia uma frase inteira e formulava frases como se fosse um índio encontrando a civilização pela primeira vez. E assim foi indo o terceiro, o quarto, o quinto... e lá pelo sexto mês, podemos dizer que o pai aqui já estava manjando kkkkkk.
Já dava pra desenrolar algumas conversas de mais de 1 minuto e até colocar um pouco de humor nas falas, você acredita? E eu juro que conseguia tirar algumas risadas — pelo menos acho que estavam rindo da minha piada… E foi aí que percebi que a fluência estava se aproximando.
Bom, o tempo passou. As coisas começaram a se ajeitar. Meu inglês estava ficando em dia e, podemos dizer, que o menino que saiu do Brasil estava começando a virar homem. O contexto de humilhação nos primeiros meses ajudou.
Nesse período que morei por lá, fui muito agraciado pela família que me recebeu. Eles me levaram pra muitos lugares que minha mãe tinha visitado lá em 1900 e bolinhas (sempre quis falar essa frase de tiozão kkkkk) e, com isso, fui conhecendo um pouco da mulher guerreira que me criou.
Me contavam das furadas que ela se meteu e, por incrível que pareça, eu conseguia passar pelas exatas mesmas situações. Teve uma vez que me contaram que ela se recusava a usar bota pra ir pra escola e, um dia, não conseguiu carona de volta pra casa e teve que andar 3 milhas com o pé no gelo, chegando em casa com os dedos — literalmente — congelados (se ela batesse o mindinho na quina do sofá era capaz de perder o dedo). E o pior: 1 semana depois que me contaram essa história, lá estava eu, de Vans, no frio de -15 graus, sentindo o exato desespero que ela sentiu. 🤡 Incrível como jovem acha que sabe de tudo e que é imune aos problemas…
Sinto falta dela.
Desde que ela se foi, meu pai passou a ser meu porto seguro. Sempre tivemos uma boa relação, graças a Deus, mas era uma relação que... como posso dizer?... de homem com homem, sabe?
Só conversávamos quando tinha algum problema pra resolver. Nossas mensagens eram:
— Bom dia, pai. Tudo bem?
— Bom dia, filho. Tudo, e aí?
— Tudo bem também. As tomadas aqui de casa quebraram... sabe me dizer como faço pra consertar?
— Faça isso, isso e isso...
— Ok, pai. Obrigado.
— 👍 (emoji de joinha)
Fim de papo.
Conversas que não eram reais conselhos, sabe? Não havia sentimento ou algo assim. Eram apenas um pedindo ajuda pro outro e, no máximo, avisando sobre alguma conquista.
E eu não buscava muito mais que isso. Vivia uma vida extremamente corrida aqui em São Paulo, tentando girar mais de uma empresa ao mesmo tempo e me sentindo orgulhoso por viver correndo atrás do vento.
Até que… alguns poucos meses atrás, eu estava mexendo no Instagram e assisti a um corte do podcast do Maurício Meirelles. Ele estava contando que um dia havia parado pra refletir sobre quantas vezes ainda ia ver o pai antes do dia fatídico.
O cálculo era mais ou menos assim:
Ele tinha 45 anos.
O pai, 70.
Moravam longe.
Se encontravam de 1 a 2 vezes por ano.
Se o pai vivesse mais 10 anos, ele o veria apenas mais 10 a 20 vezes.
No dia que assisti esse vídeo, no minuto que terminei, senti um aperto tão grande no peito que parecia que uma mão tinha aberto meu tórax e literalmente esmagava meu coração enquanto ele batia. Doeu.
Parei pra pensar que, do jeito que estou vivendo, indo de 1 a 2 vezes por ano pra minha cidade, eu possivelmente teria só mais 50 ou 60 chances de dar um abraço no meu pai. De dizer um “eu te amo”. De contar sobre as furadas que me meti. De pedir conselhos sobre as coisas mais inúteis da vida.
De lá pra cá, parece que Deus abriu meus olhos sobre o quanto eu tenho focado em coisas que realmente não importam. Quanto vale gastar minha vida correndo atrás do dinheiro ou do sucesso se, quando eu chegar lá, pode ser que a pessoa que me deu a vida nem esteja mais aqui pra comemorar comigo?
De que vale ficar tanto tempo longe? De que vale essa falsa produtividade, correndo atrás do vento?
Existia um Túlio antes desse vídeo, e um Túlio depois desse vídeo.
E eu decidi escrever essa carta pra você, que ainda tem pai, mãe ou até outros familiares vivos, pra te perguntar:
Quanto vai valer um abraço deles quando tudo que você queria era ainda tê-los vivos?
Hoje, infelizmente, posso dizer: valeria tudo.
Eu daria tudo que tenho, financeiramente falando, pra passar mais um dia com minha mãe. E tenho certeza de que você faria o mesmo.
Mas sabe de uma coisa? Eu ainda tenho o meu pai.
E, por isso, cada segundo que eu posso ter a mais com ele vale mais do que qualquer coisa que essa terra pode me proporcionar.
Valorize mais o tempo com sua família. Um dia pode ser tarde demais.
Abrace mais.
Fale mais “eu te amo”.
Conviva mais.
Conte suas frustrações.
Conte seus fracassos.
Celebre suas vitórias.
Mande um bom dia.
Pergunte como estão.
Desmarque compromissos pelo seu almoço de domingo.
Viaje mais vezes pra sua cidade, se mora longe.
Construa memórias.
Um dia pode ser tarde demais — e tudo que você mais queria era mais um dia com a presença deles.
Eu sei. Dói. Enquanto escrevo esse texto, sinto o gosto salgado das minhas lágrimas escorrendo pra minha boca. Mas eu precisava te passar esse recado.
Espero ter aberto os seus olhos de alguma forma.
Como sempre,
Nos vemos na próxima segunda, às 5 a.m.
Um grande abraço,
Túlio Herani.
Filho, emocionado aqui com esta carta. Sinto o mesmo que você. Muitas perdas em minha vida, que não foram devidamente deglutidas ainda, meu pai que se foi de repente, coincidentemente na mesma idade que hoje eu tenho. A sua mãe, minha amada esposa, também prematuramente sucumbiu ao câncer após uma longa luta, onde tudo o que ela pediu a Deus foi poder ver você e seu irmão até poder ver vocês minimamente encaminhados na vida, meu irmão que sucumbiu ao COVID, coincidentemente também com a minha idade e minha mãe, já bem avançada acometida de um Alzheimer. Todos eles deixaram saudades e marcas em minha vida, exemplos que me moldaram no que sou.
Ainda quero poder acompanhar e dar exemplo de vida e continuar a ver o sucesso que estão galgando em vossas vidas, meus filhos amados. Vamos realizar mais sonhos juntos, com a graça de Deus.
Te amo muito, pode ter certeza disto. E o melhor ensinamento que poderia dar, é o exemplo de uma pessoa que sigo, Bene Barbosa, cada dia um pouco melhor em alguma coisa.
Sem esquecer de mencionar também o meu sogro, seu avô, também muito querido, e que nos deixou acidental e prematuramente… 😵💫🥲